quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Sobrevida

Adoramos o Chile e com certeza voltaremos noutra oportunidade, porém no auge do inverno, pois daquela vez tínhamos ido em Setembro e a neve já era pouca.

Voltei ao médico.
Infelizmente, toda a quimioterapia e radioterapia não foram suficientes para banir o câncer de laringe. E em menos de 1 mês fui submetida a uma traqueostomia. Procedimento cirúrgico para abrir um orifício (estoma) no final do pescoço que liga a tráquea ao pulmão para que eu pudesse respirar, uma vez que já estava praticamente impossível devido ao rápido crescimento do câncer, que havia ficado muito agressivo.
E lá no Chile, eu achava que era por causa do meu corpo pesado e inchado de tanta medicação e radiação a razão por não estar conseguindo respirar direito. Na verdade era o tumor se fazendo presente.

Meu Deus como assim? Ficarei com esse buraco no pescoço pra sempre? É isso mesmo?



No ato da traqueostomia, fizeram a retirada e avaliação do local para compreender a extensão real do tumor no pescoço. E veio a outra parte triste desta história, será necessário a retirada da laringe inteira, ou seja, ficarei muda e com um buraco no pescoço.

Nem deu tempo de assimilar essa nova condição e já marcaram a cirurgia de resgate para semana seguinte. Termo utilizado para dizer: tira todo o órgão e margens comprometidas para resgatar a vida do paciente. SINAL VERMELHO. Será meu fim?
Falta mais alguma novidade ruim? Por favor! Jesus me ajuda vai!

Logicamente nada era mais importante naquele momento do que sair viva da cirurgia. Então os ouvidos ensurdecem, o chão se abre aos seus pés mediante o impacto da notícia.
Eu tinha só 40 anos, estava num casamento feliz de apenas 8 anos com o amor da minha vida e um filho maravilhoso de 18 anos que estava começando a conhecer a vida e a precisar muito de mim. A cirurgia levou mais tempo que o normal, dito pelo médico, pois a situação de fato estava passando do controle. Graças a Deus, tivemos ao nosso lado um profissional muito experiente, gentil e humano. Que nos acolheu prontamente duas semanas antes disso tudo acontecer, porque o profissional que me assistia até então não estava se sentindo seguro o suficiente para me salvar. Agradeço a Deus por este ato de humildade que ele teve ao me direcionar a outro especialista. Somos todos falíveis sim, mas humilde são poucos.


Rodrigo e Gabriel voltando do mergulho


Nesse meio tempo, a perplexidade, a confusão de informações, justamente pela falta delas, fazia com que a família e os amigos mais próximos ficassem muito preocupados com o término da cirurgia. Fiquei hospitalizada 10 dias. Nunca fiquei tanto tempo num hospital, aliás nunca gostei de estar em hospitais, quem dera ter ficar tanto tempo. Mas não tive outra alternativa. Fui muito bem atendida lá. Contei com a presença constante das minhas irmãs Desireé e Nicole, da minha afilhada Mariana, do meu filho Gabriel e do meu amado marido, Rodrigo, que dormiu todas as noites lá, me deixando mais tranquila e segura. Muitas pessoas especiais também me visitaram e cuidaram nesses dias difíceis, mas estes estiveram lá diuturnamente em revezamento. SEM ELES eu não teria conseguido! Tenham certeza disso.

3º dia após a Laringectomia Total

1º dia após a Laringectomia Total, muito feliz em ver meu filhote

Pois nem se quer conseguia tomar banho sozinha, pentear o cabelo, baixar a calcinha, ou seja, nunca necessitei tanto de ajuda como nessa ocasião, e tive!
Pensar que tinha medo de escovar os dentes, de deixar cair água dentro do buraquinho. De tomar banho? De moscas e pernilongos entrarem buraco a dentro. Um pânico infantil tomou conta de mim por uns 2 meses. Ficava apavorada com as tempestades e as quedas de luz. Sentimentos mega infantis que nunca havia tido. Penso que era reflexo do trauma físico e psicológico que ainda estava muito recente. Total fragilidade tinha se abatido sobre mim e meus esforços para vencê-la não estava surtindo o efeito necessário.

Gabriel e eu tomando sol
Operei no final de outubro, em meados de dezembro tive que recorrer a psicotrópicos, pois a depressão tinha se instalado silenciosamente junto com a falta da voz. Numa laringectomia, o cirurgião refaz o caminho do alimento (canal) via esôfago e reconstrói um outro do pescoço para a traqueia/pulmão para respiração. Neste novo canal, meu organismo criou uma fístula, ou seja, uma pequeno canal entre o esôfago e o estoma, onde o alimento e bebida poderiam entrar no pulmão. Ou seja, nada de comida ou bebida até que a fístula se fechasse por completo. Tive que ficar 6 meses com sonda nasal na qual me alimentava com suplementos específicos de 3/3h sendo 6 refeições ao dia. Ou seja, eu não saia do quarto. Além disso, usei uma faixa compressora de elástico no pescoço para fazer pressão e ajudar as peles do meu pescoço se aderirem novamente e portanto, fechar a fístula. Imagine 6 meses cuspindo sua própria saliva? Nada pela boca. caixas e caixas de lenços. Sem condições de receber visitas tendo que cuspir a cada min. Durante esse período tivemos Natal, Ano Novo, Carnaval, Aniversário do Gabriel, da minha Mãe, a Páscoa, entre outros encontros de família. No começo era difícil, depois já estava acostumada a vê-los comer e beber.

Dezinha, eu e a Toyzinha




Já não tinha mais meus avós e meu pai por perto. Minha mãe, outros irmãos e familiares ofereceram ajuda á distância, mas Graças a DEUS tive irmãs, marido, filho e alguns amigos que estiveram ao meu lado incansavelmente. E isso é o que qualquer pessoa numa situação de extrema fragilidade precisa: AMOR!
Muitas outras pessoas fizeram a diferença neste momento da minha vida e jamais vou esquecer de cada uma delas que de alguma forma demonstrou amor, amizade, carinho e solidariedade a minha família. Claro, que também houveram os omissos, os faltantes, os que já te consideravam carta fora do baralho. Mas com certeza eles continuam não fazendo falta em nossas vidas!

Isso faz parte da oração que faço desde muito pequena: "Livrai-me Senhor de todo o mal, Amém!"

Beijos gordos e doces da Mel

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